terça-feira, 10 de junho de 2008

Será que eles não sofrem?

Virou moda. Os maus-tratos à animais estão cada vez mais comuns e sem lógica. O NEAFA, uma das poucas, se não a única ONG em Alagoas que retira animais da rua e dá um destino à eles (não a morte, mas a adoção), a cada dia recebe mais e mais animais, na maior parte cachorros, que foram torturados pelas pessoas na rua.


Coloquei o título deste post pra falar do sofrimento desses animais. Mas não acredito que se trate apenas disso. Talvez seja mais uma questão de combater a falta de amor ao próximo que o ser humano parece ter esquecido que existe dentro dele. Ontem um rapaz de 18 anos agrediu o cachorro da namorada depois de uma briga com ela. Me diz o que que o coitado do animal tem a ver com isso??


Mais e mais as pessoas usam os animais, os seres vivos em geral, a natureza, como válvula de escape para seus problemas. É como se além de não notar que eles sentem essa agressão, também deixassem se sentir a si mesmos. Até mesmo as gangs estão usando animais como arma, como tem sido mostrado esta semana nos diversos sites de notícias do Estado, fatos ocorridos em União dos Palmares.


Bom, é só pra refletir. Os animais não tem nada a ver com nossas paranóias... Nós é que devemos aprender a lidar com nossas próprias neuras... Como diz a propaganda do Greenpeace: "Eles já tem problemas demais"...


P.S.: À pedidos... Um trechinho do conto "O Velho". Não dá pra colocar tudo por que é muito grande...

"(...) Não conseguiu dormir direito. Aquele cheiro de galinha morta e cozinhando o atormentou durante toda a noite. Teve vários pesadelos. Sonhou que duas galinhas gigantes vinham ao seu encontro, cada uma segurando um machado. Queriam matá-lo. Quanto mais ele corria, mais perto as galinhas pareciam estar. Sentia o cheiro de suas penas e podia sentir também a maciez delas em seu pescoço velho. Que coisa mais nojenta, sentir o cheiro do suor de uma galinha correndo. Levantou-se atordoado. Chamou a empregada. Ela apareceu com os cabelos assanhados, a camiseta de pano furada embaixo do braço era muito curta e deixava a mostra suas pernas roliças. Mas o velho era velho demais até para pensar nisso. Nem deu atenção às pernas da moça. Pediu apenas que trouxesse um pano úmido para resfriar-lhe a cara. Também não deu atenção quando a moça saiu resmungando por que ele esquecera-se, como de costume, de pedir ”por favor,”. Onde já se viu, chamar aos gritos àquela hora da madrugada, apenas para pedir um pano úmido. Ele que fosse buscar. A empregada voltou para o quarto e desta vez dormiu como uma pedra. Ou pelo menos fingiu isso, por que não voltou mais durante toda a noite, apesar do velho ter gritado e gritado. (...)

(...) Ouviu um barulho estranho na rua. Será que era uma coruja, perguntava em silêncio. Foi até a porta, a fim de que pudesse ouvir melhor. Silêncio. O silêncio, não sabia se via de fora ou de dentro. De fora da casa, onde tinha uma coruja calada e pensativa, ou se vinha de dentro, dentro da sua cabeça também estava silêncio. Não conseguia ouvir o que vinha de dentro de sua cabeça. Foi mais perto da porta, tinha certeza de que ouvira uma coruja, acabou por bater a testa na madeira e sentiu uma dor forte, que latejava. Será que dor era o mesmo que ouvir uma voz dentro da cabeça, não sabia. Bateu a cabeça de novo. Dessa vez a dor foi mais forte. Talvez estivesse falando mais alto, a voz-dor, dentro de sua cabeça de velho. Estava tonto. Sentou-se. A cozinheira deixara a galinha recém morta e recém cozinhada em cima do fogão. Olhou para o caldeirão grande, velho e amassado que abrigava a defunta cozinhada. Foi até lá. Destampou a panela. O velho de cara branca de farinha quase vomitou na panela quando sentiu o cheiro do cadáver. A cozinheira deixara a galinha cozinhar com penas e tudo, antes de depenar e poder temperar e assar. Olhou aquele bicho na panela. Suas penas eram cor de laranja, meio avermelhadas. Tirou a galinha de dentro da panela, segurando com as duas mãos, era um bicho muito frágil, a galinha. (...)

(...) Andou com a galinha num braço e a pá pesada no outro. Procurou a árvore mais bonita do vale e ao seu lado pôs-se a cavar. Não sem antes, claro, colocar sua amiga defunta num lugar fofo e seco. Difícil achar um cantinho seco naquelas condições, mas por uma amiga se faz de tudo. Até encontrar um cantinho seco embaixo de um galho numa quase tempestade. Cavou durante quase uma hora e suava como um animal de carga, mas nem dava para perceber por que logo a chuva limpava seu suor. Chuva amiga essa, me refresca. Talvez esteja apenas se desculpando por não me deixar tomar o chá na varanda.
Quando achou que tinha cavado o suficiente observou bem o buraco e percebeu que se não agisse logo formaria ali uma poça de lama e seu objetivo iria por água abaixo e teria que cavar tudo de novo. Tinha que enterrar aquela galinha. Ela merecia um final feliz depois de tudo o que sofrera. Não ia permitir que a desnudassem e a esquartejassem diante de suas vistas. Deu um beijo na amiga antes de cobri-la de terra úmida. Quase afogou a galinha na lama, se ela não estivesse tão morta morreria de novo sufocada, dessa vez. Pôs um galinho no lugar onde a terra agora formava uma pequena montanha. Uma montanha do tamanho de uma galinha. Ou do tamanho de uma defunta galinha. Não sabia o velho, se as galinhas mudavam de tamanho ou não, depois de mortas e enterradas, mas achou melhor não pensar nisso, achou que estava ofendendo a memória de sua amiga. Já a considerava uma velha amiga, ah sim. Era uma galinha amiga e muito querida. Tão querida que o velho passou o resto da noite a velar-lhe o corpo enterrado e inerte. Só não tão inerte por que a chuva teimava em cair e por pouco não desmanchou a montanha de terra que cobria a galinha. (...)

(...) Ao amanhecer, achou que seu dever estava comprido e resolveu voltar para casa. Tomou um banho e foi tomar o café da manhã, pontualmente as sete e trinta. Um tumulto na cozinha fez o velho perceber que o café não estava pronto. Não o café de beber, por que ele não bebia café, era ruim para os dentes. Mas o café da manhã. A cozinheira disse que alguém havia roubado a galinha que ela ia depenar e assar para o almoço. O mistério do sumiço da galinha ganhava corpo e histórias cada vez mais escabrosas eram criadas na cabeça fértil de pensamentos dos empregados. Mas o que o velho percebia era que hoje não haveria café da manhã. (...)

3 comentários:

  1. Acho que falar de maus-tratos aos animais é como falar de maus-tratos aos seres humanos. Acho que é a mesma coisa. Todos vivemos numa grande coletividade, não é?
    E essa história que bicho não pensa... Sei lá se não. Vai ver que eles mesmos decidiram que não queriam virar humanos. Se isso fosse, provaram ser muito mais inteligentes que nós... =)

    Muito bom o conto, Jackie. A rede editorial está perdendo uma ótima escritora... =P

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  2. engraçado como nós, pensantes, não conseguimos cuidar nem de nós, muito menos dos outros.. e ainda, adoramos "depenar" os indefesos... não sei se vivemos numa coeltividade não, andré, às vezes, acho que vivemos mesmo é numa grande bolha chamada "individualismo coletivo"... e adorei o conto, muito legal mesmo. mande ele completo pra nós, vá?!? xêros

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